quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Existe Racismo no Brasil? O Papel da Escola


Wilmo Ernesto Francisco Junior
Químico. Doutorando em Química. Docente, Departamento de Química, Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Porto Velho, RO.

Sem dúvida, o mito da democracia racial ainda aparece inconcusso em boa parte da sociedade brasileira. Tal idéia, desenvolvida no início do século XX, com a miscigenação do povo brasileiro, aporta que a população vive em harmonia, inexistindo atos discriminatórios. Todavia, não é isso o que revelam alguns dados.

O papel da escola nos dias atuais é um assunto controverso e exaustivamente debatido. Ainda assim, o que se observa, na prática, é um dissenso tamanho, onde cada qual parece pôr em prática o que lhe convém. Para uma corrente de pensadores, o objetivo básico e primordial da escola é a preparação dos alunos para serem incorporados no mercado de trabalho. Tal ideologia permeou a educação brasileira sobretudo nos anos 70, dando propulsão a um imenso número de escolas técnicas. Uma segunda função da escola é a formação de cidadãos críticos para intervenção no mundo. Essa é a proposta presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998b). No entanto, é conhecido que grande parte das escolas, sobretudo as privadas, se preocupa realmente com o número de aprovações nos exames vestibulares.

Devido a tamanha disparidade de exigências, a escola aceita, assume e consolida as desigualdades existentes na sociedade, sejam elas de ordem social, cultural ou étnico-racial. Assumindo-se a idéia de que a escola é igual para todos, implicitamente se assume também que cada indivíduo chega onde sua capacidade e esforço pessoal lhe permitem, sendo ignorados os pontos cruciais de desigualdades impostos pela sociedade.


Dessa forma aceitam-se as características de uma sociedade desigual e discriminatória, pois parecem como o resultado natural e inevitável das diferenças individuais evidenciadas em capacidades e esforços. A ênfase no individualismo, na promoção da autonomia individual, no respeito à liberdade de cada um para conseguir, mediante a concorrência com os demais, o máximo de suas possibilidades, justifica as desigualdades de resultados, de aquisições e, portanto, a divisão de trabalho e a configuração hierárquica das relações sociais [...]. Este processo vai minando progressivamente as possibilidades dos mais desfavorecidos social e economicamente em particular num meio que estimula a competitividade, em detrimento da solidariedade, desde os primeiros momentos da aprendizagem escolar [...]. Assim, a escola legitima a ordem existente e se converte em válvula de escape das contradições sociais e desajustes sociais. (PÉREZ-GÓMES, 1998, p. 16)

Diante de tal panorama contraditório, no qual as demandas da escola parecem inatingíveis na sua completude, é que deve permear também a educação anti-racista, uma vez que não problematizar o racismo na escola é reproduzir a sociedade discriminatória.

Em estudo realizado na região metropolitana de São Paulo, Santos (2001) relata que os educadores:
(i) mesmo identificando visões estereotipadas de negros e mulheres em livros, continuavam a utilizar tais materiais sem leitura crítica; (ii) possuíam menor expectativa quanto à capacidade de alunos negros; (iii) atribuíam o problema da discriminação à família e aos próprios negros, por se conformarem com a exclusão e não lutarem por seus espaços. Visão
similar não é incomum na maior parte das escolas brasileiras.

Em um belíssimo trabalho, Cavalleiro (2005) pesquisou três escolas públicas de Ensino Fundamental também na cidade de São Paulo. Tal estudo envolveu professores, coordenadores pedagógicos, diretores, funcionários operacionais, alunos e familiares. O estudo conclui que os profissionais envolvidos no processo de escolarização apresentam um pensamento no qual:
. A existência de racismo é negada;
. Não se reconhecem os efeitos negativos prejudiciais do racismo para os negros;
. Não se reconhecem aspectos negativos do racismo também para os brancos;
. Não se buscam estratégias para a participação positiva da criança negra, mesmo que se reconheça a existência de atos discriminatórios.


No que tange a esses aspectos, a criança que sofre discriminação não encontra apoio nos profissionais da escola. Em outro estudo de Cavalleiro (2001), agora com alunos de pré-escola, a autora relata que, mesmo quando uma aluna foi explicitamente discriminada por meio de ofensas verbais, a professora nada fez. Tal atitude sinaliza, para o opressor, que a ação pode ser repetida. Nesse sentido, Freire alerta: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (2005, p. 90).

A escola, embora diante do conflito de objetivos, deve favorecer a discussão e problematização por meio do diálogo e do questionamento das questões raciais. Torna-se um instrumento poderoso na prática educativa anti-racista. De acordo com Santos (2001):
tratar da discriminação racial em ambiente escolar não significa ajudar a criança negra a ser forte para suportar o racismo, como se apenas ela tivesse problema com sua identidade, com sua auto-estima. Faz-se necessário corromper a ordem dos currículos escolares, que insistem em apresentar a produção cultural eurocêntrica como único conhecimento científico válido. (SANTOS, 2001, p. 106).


Ao mesmo tempo, Pérez-Gómes (1998, p. 24) alerta que: “a igualdade de oportunidades não é um objetivo ao alcance da escola. O desafio educativo da escola contemporânea é atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para lutar e se defender, nas melhores condições possíveis, no cenário social”.

Diante de toda discussão, emerge uma só certeza, não mais prescindir um tema de tamanha relevância. Há a necessidade de se superar a situação opressora. A meu ver, o primeiro e contundente passo é desvelar as diferenças, valorizando-as como forma integradora dos diferentes povos, nações e grupos sociais, com direitos iguais de acesso aos bens e serviços de que a sociedade dispõe. Para tanto, alguns pontos importantes devem ser levados em consideração na educação, que tenha, também, como um dos pilares sustentadores o combate ao racismo. Com apoio em algumas idéias de Cavalleiro (2001), listam-se, a seguir, algumas questões que devem perpassar uma educação anti-racista:
. Reconhecer a existência do problema racial na sociedade brasileira;
. Buscar permanentemente a reflexão sobre o racismo na escola e na sociedade;
. Não conceber qualquer manifestação de preconceito ou discriminação e cuidar para que as relações interpessoais sejam respeitosas;
. Considerar a diversidade presente no ambiente escolar e utilizá-la como forma integradora, encorajando a participação de todos;
. Fazer uma leitura crítica da História Brasileira, mediante a qual seja possível mostrar a contribuição de diferentes grupos na construção de nosso país;
. Buscar materiais que contemplem a diversidade cultural e étnico-racial, bem como aspectos da África que auxiliem a construção de um currículo menos etnocêntrico;
. Pensar meios e formas em que a educação contribua para o reconhecimento e valorização da diversidade cultural e étnico-racial brasileira;
. Elaborar ações que propiciem o fortalecimento da identidade e auto-estima de educandos pertencentes a grupos discriminados.

Diante dos expostos percebemos que na escola encontramos os meios necessários para o conhecimento da história dos povos africanos no Brasil, o fortalecimento da cultura étnica-racial dos mesmos e a integração entre as crianças e adolescentes para a equidade racial, o multiculturalismo e a importância da diversidade na escola e na sociedade.

Texto na íntegra encontra-se no site: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v14n3/a03v14n3.pdf
EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS DO ENSINO DE CIÊNCIAS E DE ALGUNS PENSADORES

Postado por: KÉSIA KARLA PAIVA SILVA

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