terça-feira, 2 de agosto de 2011

Amélias, loiras burras e popozudas – A violência contra a mulher na música brasileira

Publicado em março 08 America/Recife 2009 por Roberta Almeida

Apesar de não podermos comparar, a música popular brasileira da época de ouro do rádio nacional com o que é produzido atualmente, pois os tempos e valores culturais são outros, neste artigo tentaremos pelo menos fazer algumas citações, as quais, ao longo dos anos foram cometidas contra a mulher. Isso servirá de reflexão para os que viveram décadas passadas e, quem sabe, abrirá um pouco os olhos dessa juventude encantada com o produto que os grandes veículos de comunicação massificam como se fosse a real cultura nacional.
É correto afirmar que desde o surgimento do homem, a comunicação e principalmente a música em suas variadas manifestações também apareceram em paralelo. Eram os rituais dos combates, colheitas e das festas populares em todas as regiões do planeta, as quais envolviam os participantes numa celebração coletiva. Com a revolução industrial e a consequente mudança dos valores da civilização, o planeta jamais foi o mesmo.
No caso particular da música, com a invenção do gramofone e dos discos, começou também a surgir a canção do entretenimento. Ou seja, além da composição mais elaborada em termos de melodia, harmonia, arranjo e mensagem, sempre existiu também a de apelo mais fácil, a qual sempre foi o filão mantido pela indústria cultural para justificar inclusive sua existência.
Com relação a violência contra a mulher na música brasileira, uma composição cuja letra inclusive se tornou dito popular em referência a subserviência da mulher foi "Ai que saudades da Amélia" (Ataulfo Alves/Mário Lago) "… As vezes passava fome ao meu lado. E achava bonito não ter o que comer. E quando me via contrariado, dizia meu filho, o que se há de fazer. Amélia não tinha a menor vaidade. Amélia que era mulher de verdade.

O mesmo Mário Lago já havia escrito também "Número Um", sobre uma mulher de muitos homens: "… Pois entre teus mil amores. Eu sou o número um". Essa era "agressão" que a mulher sofria nas décadas de 40 e 50 pois o machismo era muito comum. O sambista Wilson Batista convocava em "Emília" – "Eu quero uma mulher. Que saiba lavar e cozinhar. E que de manhã cedo me acorde na hora de ir trabalhar…". Podíamos citar outras inúmeras criações, as quais detratavam a sexo feminino, no entanto, apesar de tudo, nenhuma pregava a violência contra ela, no máximo a expunha como objeto de cama e mesa.
Isso se faz muito patente principalmente nas marchinhas carnavalescas, as quais, dentre muitas, podemos citar a "Maria Escandalosa" – "Maria escandalosa, desde criança sempre deu alteração. Na escola, não dava bola, só aprendia o que não era da lição. Depois a Maria cresceu, juízo que é bom não colheu. E a Maria escandalosa, é mentirosa, é preguiçosa, mas é gostosa…"
O compositor pernambucano Capiba discordou na época, da violência contra o sexo "frágil" quando aproveitou um dito popular e criou seu frevo "Cala a boca menino" – "Sempre ouvi dizer que numa mulher não se bate nem com uma flor. Loura ou morena não importa a cor. Não se bate nem com uma flor. Já se acabou o tempo em que a mulher só dizia então: Chô galinha, cala a boca menino, ai, ai, não me dê mais não…"
Já na década de 60 algumas propostas musicais agressivas contra a mulher eram cantadas em "Brotinho Maluco" – "… Brotinho eu acabo, te botando no colo e te dando palmada…". Nessa época um samba com a mesma temática se tornou conhecido: "Bata nego" – "Bata nego, pode bater, bata com força que eu gosto de sofrer… e quanto mais ela apanhava. Mais ela dizia. Bata nego pode bater…"
Nesse período o menestrel Juca Chaves com suas sátiras musicais também alfinetou o mulherio como "Alça de caixão" – "…Pois mulher é como alça de caixão, quando um solta, vem o outro e põe a mão… O sambista Martinho da Vila depreciou as feministas da década de 70 com "Você não passa de uma mulher". Nesse mesmo período composições de Gonzaguinha, Milton Nascimento, Chico Buarque, Ivan Lins, Gilberto Gil e Caetano Veloso, louvaram a atuação das mulheres na luta ao lado dos homens.
Além dos compositores citados, a criação "Mulher (Sexo Frágil) de Erasmo e Roberto Carlos, em homenagem a companheira e mãe dos filhos do Tremendão, se tornou uma espécie de hino da geração. O "Rei da Juventude" aproveitou também para declarar seu amor musical as mulheres que usam óculos, de quarenta anos, gordinhas e etc. Desse novo tempo o cantador Otacílio Batista deu o mote "Mulher nova bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor", o qual Zé Ramalho colocou melodia e Amelinha cantou, virando o tema principal do seriado televisivo global sobre o cangaço, trilha sonora de Maria Bonita.
A maior depreciação da mulher na música brasileira começou na década de 90 quando, entre outros fatores, foi iniciado o culto ao bumbum com bem mais ênfase do que havia acontecido na época das chacretes comandadas por Rita Cadilac e a "cantora" Gretchen. A indústria fonográfica percebeu a preferência nacional masculina e apostou todas as suas fichas no novo Midas. Fabricou o Tchan e sua Carla Perez e aí vieram as outras seguidoras do culto a bundofília.
Paralelo a isso, a erotização das coreografias das bandas da Bahia, as quais também popularizaram os carnavais fora de época, surgiu uma nova vertente da cultura da massificação. O grupo Mamonas Assassinas foi o primeiro a implementar a palavrão subliminar em suas criações e como o público infantil e adolescente era o alvo fácil de sua comunicação, as crianças começaram a conviver com uma linguagem antes restrita aos adultos.
Como o público infantil e o adolescente se deixa levar de roldão pelos apelos dos grandes veículos e comunicação, notadamente a televisão e o rádio, as fábricas dos discos jogam pesado na divulgação de seus produtos nessas duas vertentes de divulgação. Com isso, também veio o culto as falsas louras, satirizado e popularizado por Gabriel O Pensador em "Lôraburra".
Atualmente, a linguagem subliminar com citação de partes sexuais, iniciada pelo Mamonas Assassinas, aliada a bundofilia, está sendo divulgada amplamente de modo concreto em "músicas" por um tal de Tigrão e sua turma do funk, no Rio de Janeiro e já virou mania nacional. Termos pejorativos como "popozuda" e "preparada" são bradados ao longo da batida mecânica do som que embala as alucinadas galeras. Isso reflete a atual decadência por que passa os valores da atual sociedade. O que mais me revolta ainda, são os adultos que acham engraçados esses atuais adjetivos e a nova moda. Isso sem mencionar o público mais indefeso, das "inocentes" crianças e adolescentes femininas que são chamadas de cachorras e ainda rebolam o tchan.
Lí na imprensa que a Rede Bandeirantes irá colocar no ar um programa semanal de duas horas dedicado ao funk. Creio que se houvesse um cumprimento na legislação da TV brasileira esse tipo de informação não seria passada pela telinha, pois, pelo que se tem notícia em todo o Brasil, inclusive em Fortaleza, sempre ocorre violência entre as galeras desses bailes funks. Inclusive no Rio de Janeiro, o jornal O Dia está denunciando numa série reportagens, todas as atrocidades cometidas com as garotas que pensam em se divertir e acabam abusadas sexualmente nessas festas.
Fico pensando em qual "jogada musical" as multinacionais do disco no Brasil vão apostar depois que essa onda passar. O que idealizar, depois que vi as declarações do tal Tigrão, "As pessoas gostam desse erotismo. Mas se você analisar as letras nem são tão pesadas. Até por que o público infantil ouve funk". Vale salientar que uma das "músicas" dele chama-se "Máquina do Sexo" onde orgulha-se – "… Eu transo igual a um animal…". Isso sem falar em "Jonathan II" interpretada por um menino de 7 anos: "…Sábado e Domingo eu solto pipa e jogo bola. Mas já estou crescendo com muita emoção. E eu já vou pegar um filé com popozão…" Imaginem agora umas mensagens mais leves do que essas
(Fonte: http://robertamalmeida.wordpress.com/2009/03/08/amelias-loiras-burras-e-popozudas-a-violencia-contra-a-mulher-na-musica-brasileira/)

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